Maria Fernanda Gárbero (UFRRJ)

Mulheres, mães, pesquisadoras, tradutoras de textos e tradições que nos lembram o quanto nossas vozes foram silenciadas. Mulheres que, ademais dos textos clássicos traduzidos, nos revelam as dificuldades e desigualdades que até hoje precisamos enfrentar. Estratégias que precisamos inventar. Resistir. E como isso cansa…
Entre cadernos, ousadias, desenhos das filhas, amamentação, cuidados de familiares e muitos “nãos” daqueles que se dizem “nossos pares”, vamos com e como precursoras, desbravadoras e doutoras em busca do fio de Ariadne capaz de nos tirar do labirinto. Labirinto da hiper produtividade, para manter os índices dos programas de pós-graduação, majoritariamente masculinos, como vemos recorrentemente nos panoramas das Letras Clássicas e da Filosofia, áreas do saber ainda muito ligadas aos homens que, embora queridos, não andam no mesmo passo que a gente. A eles, parece que os deuses deram asas que não são de cera. E eu sinto inveja…
De porta em porta, ao já sair porta a fora de nossos lares, o Minotauro ganha imagem nas editoras, por vezes, cruéis no seu trato com suas tradutoras. Como Ariadne, devagarzinho, vamos tecendo nosso novelo, ou como Penélope, torcendo para que a sorte, kairós, nos publique em seu tempo certo, dignamente.
E eis que o tempo precisa chegar. E hoje estamos aqui. Perto das 13h de hoje, dia 26 de outubro de 2022, éramos neste salão 18 mulheres e 6 homens. Não que isso seja bom ou ruim, propriamente. Porém, é isso também que me lembra de que, apesar da caminhada, ainda somos nós a nos ouvir e a balançar a cabeça concordando, como numa coreografia do afeto, com as angústias de uma pesquisadora-mãe, dividida entre seus textos e as filhas.
Sem romantizar a luta, sem glorificar as dificuldades, a democracia parece aquém. As fatias são magras quando vemos que nosso alcance “alvissareiro” no mercado editorial da área é de 30%, num país em que somos a maioria, assim como nos cursos de Letras, curiosamente.
O dia de hoje foi muito importante para pensarmos e discutirmos tantas distancias. Agradeço a todas as companheiras que ouvimos aqui e na Casa Guilherme de Almeida. As partilhas solidárias de suas pesquisas e percursos editoriais foram emocionantes, generosas. Agradeço a Renata, a Alice e a todos e todas que fizeram este evento tão lindo se tornar realidade.
Entretanto, não posso finalizar sem falar de um vazio em nossos espaços já complexos e discutidos hoje. Por quase 10 horas, ouvimos os relatos de tradutoras que, apesar das dificuldades, são em sua maioria brancas e radicadas no Sudeste, num país que vota pelo aniquilamento do corpo preto e goza de seus preconceitos regionais.
Que no futuro nos ouçam e nos publiquem. Que o futuro, que se escreve em poucos dias, nos livre da barbárie, e que o futuro-agora, tempo contínuo, traduza uma universidade mais igualitária, com mais pesquisadoras e tradutoras. E que os corpos pretos, periféricos e brasileiros estejam aqui, traduzindo-se em presença viva.
Salve Maria Firmina dos Reis, Ruth Guimarães e todas as Éricas de hoje e amanhã!

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